terça-feira, 22 de novembro de 2016

O que é e quais as origens do figurino no teatro?

O que é o figurino no teatro



Figurino da peça teatral Vestido de Noiva - da Minguante Companhia de Teatro

Desde os primórdios da encenação, o homem se veste para viver uma personagem. Nos rituais pré-históricos, ao usar as peles dos animais capturados e máscaras que representavam seus espíritos, o homem praticava um ato teatral. Ao endossá-los, ele não só ativava sua força, como também, por um espaço de tempo, incorporava os próprios animais e passava a representá-los. Essa transformação só era possível por meio dessa vestimenta, que tinha poderes mágicos. Sem ela não havia transformação, não existia representação. Dentro do conjunto do espetáculo, o figurino é essencial para o espectador à medida que complementa e guia a sua compreensão e, igualmente, capital para o ator, pois tem efeito semelhante ao da caracterização, considerada por alguns como um prolongamento do próprio vestuário.
Com o objetivo de rever os métodos utilizados na construção da personagem cênica, questões específicas ao figurino, como funções e evolução histórica, são aqui investigadas em conjunto com o depoimento de profissionais da área sobre o seu trabalho. O figurino é aquilo que cobre a pele do ator enquanto este está em cena e suas funções variam de acordo com a ideia da encenação a que estão submetidas. Contudo, muito além do aspecto material, o figurino pode ser visto como um símbolo, um instrumento e elemento essencial da narração. O espaço emoldura o personagem e o figurino, enquanto elemento visual, estabelecendo um essencial elo de significação entre o personagem e o contexto do espetáculo. O figurino, além de permitir essa ligação entre a figura dramática e o espetáculo, é parte fundamental da própria construção do personagem. Nas cerimônias religiosas ou místicas, a vestimenta dos participantes cumpre o papel de fio condutor por onde passa o transcendente. O traje induz à incorporação de “personagens” dentro do círculo ritual. No teatro, o figurino tem uma função específica: a de contribuir para a elaboração do personagem pelo ator e constituir, também, um conjunto de formas e cores que intervêm no espaço do espetáculo e devem, portanto, integrar-se a ele.
No teatro, esse diálogo vem por meio do figurino e, assim, permite ao espectador identificar as personagens. A importância do figurino assevera que quando os atores entram em cena, mesmo antes de falarem, o público já terá apreendido uma boa quantidade de informação. De acordo com o autor, a imagem toda é composta de sinais aos quais os espectadores reagirão, e o figurino ainda assessora o ator por ser uma espécie de disfarce. O que chamam de “indumentária” pode servir de símbolo ao recorrer aos tipos que remetem a uma forma de teatro (metatexto); pode ainda informar a idade, estado civil, classe social e sexo ou então dissimulá-los (disfarce); pode manter relações dialéticas com outras personagens e adquirir função espaço-temporal. Por fazer parte importante dos signos de que dispõe o espetáculo, tudo aquilo de que se cobre o ator ainda interfere na história desenrolada. O figurino é uma forma específica de ficção. Ele está a serviço de uma narrativa.
Por constituir ferramenta de transformação da história e formação da personagem, cada tipo de espetáculo exige um vestuário específico que atenda às suas necessidades particulares. No teatro, a cena é vista em sua totalidade e tridimensionalidade, ao contrário dos meios filmados. Muitas vezes, é encontrada grande distância entre o palco e o público. Por consequência, o figurino teatral deve apresentar-se bem marcado, para que possa ser enxergado com clareza. Como resultado, o figurino teatral, geralmente, apresenta-se muito contrastado, com estampas e detalhes aumentados. Como pequenos detalhes não são vistos, os acabamentos não precisam estar perfeitos, pode-se aproveitar para usar tecidos mais baratos, e deve-se preocupar mais com o que produz efeito à distância. O figurino deve levar em conta também o efeito das luzes sobre as cores utilizadas, além da harmonia destas umas com as outras e com o cenário.

As origens do figurino no teatro

As evidências da história do teatro mostram que, desde o seu princípio, o figurino era essencial para a sua existência, já que sem ele não há a transmutação do corpo físico do ator em personagem. O teatro surgiu por volta do século VI a.C., mas desde a prática dos rituais pré-históricos pode-se considerar a existência de atos teatrais em que já se usavam peles e máscaras para incorporar a força dos animais (CUNNINGHAN, CIVITA apud GHISLERI, 2001). Na Grécia antiga, a dança era um dos espetáculos mais importantes por sua força mitológica como culto dionisíaco. Além do ditirambo (dança com mímica), nos rituais praticava-se a poesia coral, de onde vem a palavra coreografia. Nesses espetáculos, os participantes se vestiam com guirlandas de folhas de vinha, pele de bode e máscaras. Estas foram introduzidas por Thespis, o primeiro ator, em 560 a.C. A poesia coral originou o teatro que, a partir da especialização das suas linguagens, fez surgir gêneros distintos de espetáculos: a dança, a música, o canto e o texto. No teatro grego, os atores se vestiam com máscaras e túnicas como as do povo, mas em tamanhos maiores para aumentar os atores.
Em Roma, o teatro tinha caráter de divertimento, era uma sátira cheia de obscenidades apresentada com visual cômico ou dramático. A cena era dominada por jogos circenses, acrobacias e pantomimas, em que apenas um ator representava todos os papéis com a troca de máscaras (GHISLERI, 2001; FLORES, 2006).

Mosaico encontrado em Pompéia retratando atores romanos

Com o catolicismo como religião obrigatória, na Idade Média, o teatro era proibido, com exceção de sua versão eclesiástica. Os vestígios do teatro europeu foram conjugados numa nova forma de arte: a representação nas igrejas. Durante esse período, a igreja estendeu sua autoridade às cidades e aldeias e a representação litúrgica saiu à rua. A partir de então, os figurinos tornaram-se muito ricos, exuberantes e coloridos (BARTHOLD, 2004). Consoante Bernardes (2006), no teatro medieval, a roupa era levada da rua aos palcos sem nenhum tratamento cênico, mas, no Renascimento, ganha dimensões de obras artísticas. Ghisleri (2001) e Barthold (2004) apontam a transformação do teatro nessa época.
Com o crescente individualismo, a arte se desvincula da igreja. No século XV, o teatro passa a sofrer forte influência dos círculos humanistas romanos e latinos. Existe um desejo de alcançar uma síntese harmoniosa entre a Antiguidade e o Cristianismo, e o teatro antigo é revivido. Tinha como espectadores a corte dos monarcas. Era a época de Shakespeare e as mulheres não atuavam, com exceção dos espetáculos de dança - bailes que faziam parte da educação, da etiqueta e da sociedade. Nessas representações, os movimentos de dança eram dificultados pelo uso de trajes muito pesados. Roubine (1998) discorre que, até o século XVIII, o figurino não se integrava ao espetáculo e representava um tipo catalogado, facilmente assimilado pelo público. Segundo Bernardes (2006), até essa época, é utilizado o figurino ilusionista, extravagante e excessivo. Essas vestimentas eram doadas aos atores por membros da corte e eram contemporâneas, representando as tendências atuais em vez das características das personagens retratadas.       
A cenógrafa Ana Mantovani (1989) expressa uma opinião diferente sobre o teatro ilusionista, ratificando que, a partir do século XIX se busca maior unidade dos elementos do espetáculo e o advento da luz elétrica possibilitou a visão de todas as suas partes. O teatro de então, representado por Richard Wagner, têm seu caráter ilusionista intensificado pela arquitetura e pela iluminação que podia ser direcionada ao palco e concentrava a atenção do público. Os detalhes eram mais facilmente enxergados e os cenários, por não serem baseados historicamente, eram ricos e anedóticos. A autora afirma que era ilusionismo, pois o público era levado a ver algo que parecia verdadeiro, mas não era.
O século XIX, também, testemunha o surgimento, com influência do positivismo e do contexto social, do teatro naturalista, de ideais contrários aos ilusionistas. Seu objetivo era descrever exatamente os fatos, fazer a obra como se fosse uma fatia da vida (MANTOVANI, 1989). Os signos nele presentes acabavam sendo potencializados em relação a seu uso na realidade, pois colocava o teatro frente a frente com a questão da teatralidade. A partir do naturalismo, surge a preocupação com a adequação do figurino ao personagem, pois deve considerar seus aspectos psicológicos e condição social. O figurino torna-se um apêndice para a interpretação e, assim, assume a sua função de identificar a personagem. Visualmente, nesse teatro representado pelos dramaturgos André Antoine e Konstantin Stanislavski, se viam cenários dignos de museus e realismo extremo na caracterização dos trajes, ou seja, uma réplica da realidade (SILVA, 2005; ROUBINE, 1982). Segundo o próprio Stanislavski (apud Mantovani, 1989), o cenário não representa, ele é a realidade.
No final do século XIX, em oposição ao realismo naturalista, surge uma linha mais subjetiva que defende que o que sustenta o espetáculo é o irreal. A intenção era instigar o espectador a utilizar a própria imaginação ao completar as peças do que estava assistindo (GHISLERI, 2001). Sob o ponto de vista de Roubine (1998), a cenografia do simbolismo exigia a integração total entre o figurino e o cenário e que esta era obtida por meio do trabalho de um único profissional. Um artista plástico, ou seja, um pintor, aplicava a estes os mesmos princípios de estilização: a utilização das mesmas gamas e das mesmas composições de cores que aos cenários, a fim de garantir a coerência visual da imagem cênica. Já para Roubine (1998), na concepção dos dramaturgos Appia e Craig, o figurino devia libertar-se do realismo e do decorativismo.

Por Alexa Philyppis

Fonte: Compilado e adaptado do artigo A CRIAÇÃO DO FIGURINO NO TEATRO, Renata Zandomenico Perito e Sandra Regina Rech.

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