O que é o figurino no teatro
Figurino da peça teatral Vestido de Noiva - da Minguante Companhia de Teatro |
Desde
os primórdios da encenação, o homem se veste para viver uma personagem. Nos
rituais pré-históricos, ao usar as peles dos animais capturados e máscaras que
representavam seus espíritos, o homem praticava um ato teatral. Ao endossá-los,
ele não só ativava sua força, como também, por um espaço de tempo, incorporava
os próprios animais e passava a representá-los. Essa transformação só era
possível por meio dessa vestimenta, que tinha poderes mágicos. Sem ela não
havia transformação, não existia representação. Dentro do conjunto do
espetáculo, o figurino é essencial para o espectador à medida que complementa e
guia a sua compreensão e, igualmente, capital para o ator, pois tem efeito
semelhante ao da caracterização, considerada por alguns como um prolongamento
do próprio vestuário.
Com
o objetivo de rever os métodos utilizados na construção da personagem cênica,
questões específicas ao figurino, como funções e evolução histórica, são aqui
investigadas em conjunto com o depoimento de profissionais da área sobre o seu
trabalho. O figurino é aquilo que cobre a pele do ator enquanto este está em
cena e suas funções variam de acordo com a ideia da encenação a que estão
submetidas. Contudo, muito além do aspecto material, o figurino pode ser visto
como um símbolo, um instrumento e elemento essencial da narração. O espaço
emoldura o personagem e o figurino, enquanto elemento visual, estabelecendo um
essencial elo de significação entre o personagem e o contexto do espetáculo. O
figurino, além de permitir essa ligação entre a figura dramática e o
espetáculo, é parte fundamental da própria construção do personagem. Nas
cerimônias religiosas ou místicas, a vestimenta dos participantes cumpre o
papel de fio condutor por onde passa o transcendente. O traje induz à
incorporação de “personagens” dentro do círculo ritual. No teatro, o figurino
tem uma função específica: a de contribuir para a elaboração do personagem pelo
ator e constituir, também, um conjunto de formas e cores que intervêm no espaço
do espetáculo e devem, portanto, integrar-se a ele.
No
teatro, esse diálogo vem por meio do figurino e, assim, permite ao espectador
identificar as personagens. A importância do figurino assevera que quando os
atores entram em cena, mesmo antes de falarem, o público já terá apreendido uma
boa quantidade de informação. De acordo com o autor, a imagem toda é composta
de sinais aos quais os espectadores reagirão, e o figurino ainda assessora o
ator por ser uma espécie de disfarce. O que chamam de “indumentária” pode servir
de símbolo ao recorrer aos tipos que remetem a uma forma de teatro (metatexto);
pode ainda informar a idade, estado civil, classe social e sexo ou então
dissimulá-los (disfarce); pode manter relações dialéticas com outras
personagens e adquirir função espaço-temporal. Por fazer parte importante dos
signos de que dispõe o espetáculo, tudo aquilo de que se cobre o ator ainda
interfere na história desenrolada. O figurino é uma forma específica de ficção.
Ele está a serviço de uma narrativa.
Por
constituir ferramenta de transformação da história e formação da personagem,
cada tipo de espetáculo exige um vestuário específico que atenda às suas
necessidades particulares. No teatro, a cena é vista em sua totalidade e
tridimensionalidade, ao contrário dos meios filmados. Muitas vezes, é
encontrada grande distância entre o palco e o público. Por consequência, o
figurino teatral deve apresentar-se bem marcado, para que possa ser enxergado
com clareza. Como resultado, o figurino teatral, geralmente, apresenta-se muito
contrastado, com estampas e detalhes aumentados. Como pequenos detalhes não são
vistos, os acabamentos não precisam estar perfeitos, pode-se aproveitar para
usar tecidos mais baratos, e deve-se preocupar mais com o que produz efeito à
distância. O figurino deve levar em conta também o efeito das luzes sobre as
cores utilizadas, além da harmonia destas umas com as outras e com o cenário.
As
origens do figurino no teatro
As
evidências da história do teatro mostram que, desde o seu princípio, o figurino
era essencial para a sua existência, já que sem ele não há a transmutação do
corpo físico do ator em personagem. O teatro surgiu por volta do século VI
a.C., mas desde a prática dos rituais pré-históricos pode-se considerar a
existência de atos teatrais em que já se usavam peles e máscaras para
incorporar a força dos animais (CUNNINGHAN, CIVITA apud GHISLERI, 2001). Na
Grécia antiga, a dança era um dos espetáculos mais importantes por sua força
mitológica como culto dionisíaco. Além do ditirambo (dança com mímica), nos
rituais praticava-se a poesia coral, de onde vem a palavra coreografia. Nesses
espetáculos, os participantes se vestiam com guirlandas de folhas de vinha,
pele de bode e máscaras. Estas foram introduzidas por Thespis, o primeiro ator,
em 560 a.C. A poesia coral originou o teatro que, a partir da especialização
das suas linguagens, fez surgir gêneros distintos de espetáculos: a dança, a
música, o canto e o texto. No teatro grego, os atores se vestiam com máscaras e
túnicas como as do povo, mas em tamanhos maiores para aumentar os atores.
Em
Roma, o teatro tinha caráter de divertimento, era uma sátira cheia de
obscenidades apresentada com visual cômico ou dramático. A cena era dominada
por jogos circenses, acrobacias e pantomimas, em que apenas um ator
representava todos os papéis com a troca de máscaras (GHISLERI, 2001; FLORES,
2006).
Mosaico encontrado em Pompéia retratando atores romanos |
Com
o catolicismo como religião obrigatória, na Idade Média, o teatro era proibido,
com exceção de sua versão eclesiástica. Os vestígios do teatro europeu foram
conjugados numa nova forma de arte: a representação nas igrejas. Durante esse
período, a igreja estendeu sua autoridade às cidades e aldeias e a
representação litúrgica saiu à rua. A partir de então, os figurinos tornaram-se
muito ricos, exuberantes e coloridos (BARTHOLD, 2004). Consoante Bernardes
(2006), no teatro medieval, a roupa era levada da rua aos palcos sem nenhum
tratamento cênico, mas, no Renascimento, ganha dimensões de obras artísticas.
Ghisleri (2001) e Barthold (2004) apontam a transformação do teatro nessa
época.
Com
o crescente individualismo, a arte se desvincula da igreja. No século XV, o teatro
passa a sofrer forte influência dos círculos humanistas romanos e latinos.
Existe um desejo de alcançar uma síntese harmoniosa entre a Antiguidade e o
Cristianismo, e o teatro antigo é revivido. Tinha como espectadores a corte dos
monarcas. Era a época de Shakespeare e as mulheres não atuavam, com exceção dos
espetáculos de dança - bailes que faziam parte da educação, da etiqueta e da
sociedade. Nessas representações, os movimentos de dança eram dificultados pelo
uso de trajes muito pesados. Roubine (1998) discorre que, até o século XVIII, o
figurino não se integrava ao espetáculo e representava um tipo catalogado,
facilmente assimilado pelo público. Segundo Bernardes (2006), até essa época, é
utilizado o figurino ilusionista, extravagante e excessivo. Essas vestimentas
eram doadas aos atores por membros da corte e eram contemporâneas,
representando as tendências atuais em vez das características das personagens
retratadas.
A
cenógrafa Ana Mantovani (1989) expressa uma opinião diferente sobre o teatro ilusionista,
ratificando que, a partir do século XIX se busca maior unidade dos elementos do
espetáculo e o advento da luz elétrica possibilitou a visão de todas as suas
partes. O teatro de então, representado por Richard Wagner, têm seu caráter
ilusionista intensificado pela arquitetura e pela iluminação que podia ser
direcionada ao palco e concentrava a atenção do público. Os detalhes eram mais
facilmente enxergados e os cenários, por não serem baseados historicamente,
eram ricos e anedóticos. A autora afirma que era ilusionismo, pois o público
era levado a ver algo que parecia verdadeiro, mas não era.
O
século XIX, também, testemunha o surgimento, com influência do positivismo e do
contexto social, do teatro naturalista, de ideais contrários aos ilusionistas.
Seu objetivo era descrever exatamente os fatos, fazer a obra como se fosse uma
fatia da vida (MANTOVANI, 1989). Os signos nele presentes acabavam sendo
potencializados em relação a seu uso na realidade, pois colocava o teatro
frente a frente com a questão da teatralidade. A partir do naturalismo, surge a
preocupação com a adequação do figurino ao personagem, pois deve considerar
seus aspectos psicológicos e condição social. O figurino torna-se um apêndice
para a interpretação e, assim, assume a sua função de identificar a personagem.
Visualmente, nesse teatro representado pelos dramaturgos André Antoine e
Konstantin Stanislavski, se viam cenários dignos de museus e realismo extremo
na caracterização dos trajes, ou seja, uma réplica da realidade (SILVA, 2005;
ROUBINE, 1982). Segundo o próprio Stanislavski (apud Mantovani, 1989), o
cenário não representa, ele é a realidade.
No
final do século XIX, em oposição ao realismo naturalista, surge uma linha mais
subjetiva que defende que o que sustenta o espetáculo é o irreal. A intenção
era instigar o espectador a utilizar a própria imaginação ao completar as peças
do que estava assistindo (GHISLERI, 2001). Sob o ponto de vista de Roubine
(1998), a cenografia do simbolismo exigia a integração total entre o figurino e
o cenário e que esta era obtida por meio do trabalho de um único profissional.
Um artista plástico, ou seja, um pintor, aplicava a estes os mesmos princípios
de estilização: a utilização das mesmas gamas e das mesmas composições de cores
que aos cenários, a fim de garantir a coerência visual da imagem cênica. Já para
Roubine (1998), na concepção dos dramaturgos Appia e Craig, o figurino devia
libertar-se do realismo e do decorativismo.
Por Alexa Philyppis
Fonte: Compilado e adaptado do artigo A
CRIAÇÃO DO FIGURINO NO TEATRO, Renata Zandomenico Perito e Sandra Regina Rech.
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